segunda-feira, 8 de novembro de 2010

LENDAS AFRICANAS

LENDAS SOBRE A CRIAÇÃO DO MUNDO

A CABAÇA UNIVERSAL

A cabaça é um fruto do gênero do melão ou da abóbora, cuja casca grossa o torna útil para os homens, depois que se lhe retirar a polpa macia. Serve como jarro de água ou, se for cheio com sementes secas, dá para chocalho musical. Em alguns templos colocam uma cabaça redonda cortada ao meio horizontalmente, para receber pequenas oferendas ou objetos simbólicos. O fruto é muitas vezes decorado com gravuras, em ambas as metades, com enorme variedade de desenhos bem como figuras de seres humanos, animais e répteis.
Em Abomei, O Universo é considerado como uma esfera semelhante à cabaça redonda, e o horizonte fica nos bordos da união das metades do fruto. É aí que céu e mar se juntam, num local hipotético inacessível ao homem. A terra é considerada plana, flutuando dentro da grande esfera, tal como uma cabaça pequena pode flutuar dentro da maior. Dentro da esfera estão as águas, não só no horizonte como por debaixo da Terra. Este aspecto particualr é explicado pelo fato de que se alguém fura o solo sempre descobre água, de modo que esta tem de rodear toda a terra. O Sol, a Lua e as estrelas movem-se na metade superior da cabaça.
Quando Deus criou todas as coisas, a sua primeira preocupação foi formar a Terra, fixando os limites das águas e unindo bem os bordos da cabaça. Uma cobra divina enrolou-se à volta da Terra, para agregar e manter firme, e levou Deus a vários lugares, estabelecendo a ordem e sustentando todas as coisas com os seus movimentos essenciais.

(Mito africano de origem Abomei antiga capital da República Popular de Benin, registrado por Parrinder em África)

O CELEIRO DO MUNDO

Quando Deus criou a Terra, serviu-se de um punhado de argila que amassou muito bem antes de a lançar para o espaço, onde se espalhou de norte a sul e de leste a oeste. Deus utilizou a mesma técnica para criar as estrelas, servindo-se desta vez, de bolinhas mais pequenas, que começaram a cintilar quando as projetou em todas as direções. Depois, aperfeiçoou a sua arte para formar o Sol e a Lua, enormes bolas de argila envolvidas numa espiral de cobre vermelho ou branco incandescente.
Terra era deserta e árida: Deus enviou-lhe a chuva para a tornar fértil. Em seguida, uniu-se ao novo planeta para gerar os seres vivos que o povoariam. O primeiro filho foi um chacal feroz e os seguintes foram gêmeos meio homem, meio serpentes.
Decepcionado, Deus retomou a técnica da olaria e moldou quatro homens e quatro mulheres de argila, os quais foram enviados para a Terra.
A missão dos oito primeiros seres humanos era simples: criar uma descendência numerosa e ensinar técnicas aos homens. A vida terrestre destes antepassados devia ter sido eterna, mas, passado algum tempo, Deus chamou-os para junto dele. Regressaram, pois, ao Céu, onde Deus os proibiu de se encontrarem, pois receava vê-los a discutir. A fim de poder matar a fome, deu a cada um deles sementes de oito plantas comestíveis, como o milho, o arroz e o feijão; a última planta, a digitária, era tão pequena e tão pouco prática de preparar que o primeiro dos oito antepassados jurou nunca comer.
Ora, acontece que todas as sementes se esgotaram, exceto uma: a minúscula digitária. O primeiro antepassado decidiu-se, então, a consumir esta última semente. Tendo rompido o juramento, tornou-se indigno de permanecer no Céu. Preparou, pois, o regresso à Terra.
O primeiro antepassado recordou-se então do estado miserável em que viviam os homens que abandonara à superfície da Terra: como formigas, habitavam galerias escavadas no chão; não possuíam nenhum utensílio, só conheciam o fogo e, além disso, teriam tido muita dificuldade em trabalhar, pois seus membros, como os dos antepassados, eram desprovidos de articulações e moles como serpentes. Antes de abandonar o Céu, reuniu, portanto, tudo o que considerou útil para os homens. Em primeiro lugar, um macho e uma fêmea de espécies desconhecidas na Terra: galinhas, galos, carneiros, cabras, gatos, cães e até mesmo ratos e ratazanas; entre os animais selvagens, escolheu os antílopes, as hienas, os gatos bravos, os macacos, os elefantes; pensou também nas aves, nos insetos e nos peixes. Ocupou-se igualmente do mundo vegetal, começando pelo baobá, e, naturalmente, não se esqueceu das oito sementes comestíveis que tão bem conhecia. Por fim, pretendia levar aos homens um fole, um martelo de madeira e uma bigorna, para os ensinar a fabricar instrumentos. Tudo isso era pesado e volumoso, mas ele teve uma idéia.
Com "terra de céu", construiu uma pirâmide truncada, cuja base era circular e o topo quadrado. No interior, ordenou oito compartimentos, nos quais guardou as sementes comestíveis. Nas paredes do edifício, escavou quatro escadas, nas quais dispôs os animais e as plantas. Em seguida, espetou no cimo da pirâmide uma flecha, à volta da qual enrolou um fio. Prendeu a outra extremidade do fia a uma segunda flecha, que enviou para a abóboda celeste. Faltava-lhe fazer o mais perigoso: subtrair aos ferreiros do céu um pedaço de sol, a fim de levar o fogo aos homens. Introduziu-se na oficina dos ferreiros e, utilizando uma haste encurvada, apoderou-se de algumas brasas e de um fragmento de ferro incandescente, que ocultou no fole. Por fim, lançou seu curioso edifício para o vazio, ao longo de um arco-íris: enquanto o fio se desenrolava como uma serpentina, o antepassado mantinha-se de pé, pronto para se defender dos perigos do espaço.
O ataque veio do céu. Furiosos, os dois ferreiros atiraram archotes acesos sobre o ladrão de fogo, obrigando-o a proteger-se com a pele de carneiro que envolvia o fole. Contudo, o edifício descia cada vez mais depressa, deixando no seu rastro um feixe de estrelas...
A aterragem foi violenta: o antepassado perdeu o equilíbrio, a bigorna e o martelo quebraram-lhe os membros frágeis, criando as articulações de que tanto carecia. Observou-se imediatamente a mesma transformação no corpo de todos os homens. O antepassado delimitou então, o primeiro campo, construiu a primeira aldeia e a primeira forja. Em seguida, ensinou os homens a cavar com uma enxada. Os outros sete antepassados juntaram-se-lhe, possuindo cada um deles o segredo de várias técnicas, como o fabrico de sapatos ou de instrumentos musicais.

(Mito africano de origem Dogon citado por Ragache em A Criação do Mundo - Mitos e lendas)

A CRIAÇÃO DO MUNDO

No princípio, o Deus único criou o Sol e a Lua, que tinha a forma de cântaros, a sua primeira invenção. O Sol é branco e quente, rodeado por oito anéis de cobre vermelho, e a Lua, de forma idêntica tem anéis de cobre branco. As estrelas nasceram de pedras que Deus atirou para o espaço. Para criar a Terra, Deus espremeu um pedaço de barro e, tal como fizera com as estrelas, arremessou-o para o espaço, onde ele se achatou, com o Norte no topo e o restante espalhado em diferentes regiões, à semelhança do corpo humano quando está deitado de cara para cima.

(Mito africano de origem Dogon reveladas por um velho cego, Ogotemmêli, escolhido pela tribo para contar aos seus amigos europeus os segredos da mitologia dos Dogons, relatado por Parrinder em África)

O CRIADOR

Todos ou quase todos os povos africanos acreditam no Ser Supremo, criador de todas as coisas. Um deus supremo é referido num dicionário da língua banta datado de 1650, bem como na descrição da África Ocidental publicada por Bosman em 1705.
Os nomes dados ao Ser Supremo, como é natural, variam muito, devido à diversidade de línguas em toda a África. Nomes há, contudo, que são comuns em vastas áreas. Nas regiões ocidentais, o nome Mulungu é o mais ouvido, tendo sido adotado em cerca de trinta traduções da Bíblia. Na África Central, o nome Leza foi adotado por diversas etnias, e no ocidente dos trópicos até ao Congo encontram-se variações do nome Niambé.
Os povos da África Ocidental têm ainda muitos outros nomes para designar o Ser Supremo: Ngeno, Mavu, Amma, Olurun ou Chuquo.
Deus é o criador, e os mitos que se lhe referem tentam explicar as origens do mundo e da espécie humana. É um ser transcendente, que vive no céu, e para quem as pessoas naturalmente levantam a cabeça, reconhecendo a sua grandeza.
Não existem muitos templos dedicados ao Deus Criador. Isso é explicado pelos africanos idosos e experientes: Deus é demasiado grande para ser contido numa simples casa. O rei Salomão, em sua grande sabedoria já sabia disso: "Mas, de fato, habitaria Deus com os homens na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei." (Bíblia - 2 Cronicas 6.18).
O Deus Supremo é considerado como uma divindade pessoal, em geral benevolente, que se preocupa com as pessoas e não as espanta nem atemoriza. Mais ainda, é muitas vezes um poder residente, que sustenta e anima todas as coisas. Deus sabe tudo, vê tudo, e pode fazer o que quiser. Representa a justiça, recompensando os bons e punindo os maus.
Como criador, é responsável pelo aparecimento de todas as coisas e pelos costumes dos povos. Na sua qualidade de moldador, deu forma a todas as coisas, tal qual fazem as mulheres ao confeccionarem potes de barro. Colocou os objetos lado a lado, construiu tudo o que existe, como faz o homem que constrói a casa.
Como o Ser Supremo vive no céu, preocupa-se com a chuva, sem a qual os homens não podem viver. Quando a chuva começa a cair, a agradável frescura que daí resulta é descrita como "Foi Deus que amaciou o dia".
O arco-íris é freqüentemente referido como o "arco de Deus", que na ocasião atua como um caçador.
Alguns dos nomes dados a Deus nos rituais, provérbios e mitos africanos revelam o que o homem pensa sobre seu caráter e atributos. Primeiro que tudo, ele é o Criador, o escultor, o Doador do Sopro e da Alma, o Deus do Destino. O seu trabalho na natureza reconhece-se em títulos como Doador da Chuva e do Sol, O que Traz as Estações, O que Troveja, O Arco do Céu, O Acendedor de Fogos. A grandiosidade divina é indicada por nomes como: O Mais Antigo, O Iluminado, O que faz Curvar até os Reis, O que Dá e faz Apodrecer, O que Existe por Si, O que se Encontra em Todo Lado.
A providência divina também lhe confere nomes: Pai das Crianças, Grande Mãe, O maior dos Amigos, O Gentil, Deus da Misericórdia e do Conforto, A Providência que tudo Vigia como o Sol, Aquele em quem os Homens se Apóiam para Nunca Cair. Por fim, são-lhe dados nomes misteriosos e enigmáticos: O GRande Oceano Cujo Penteado é o Horizonte, O Grande Lago Contemporâneo de Todas as Coisas, O que Está para Além de Todos os Agradecimentos, O Inexplicável, O Furioso, A Grande Aranha.

(Texto adaptado do livro NENHUM REI É COMO

LENDA AFRICANA

DEUS

Quando um súdito comparece perante o seu rei, é natural que o saúde dizendo: "Que o rei viva para sempre." Uma vez, porém, houve um nobre que, cada vez que vinha a corte, dizia: "Nenhum rei é como Deus." Tantas vezes repetiu esta saudação que o rei ficou enfurecido e conspirou para o destruir. Ofereceu ao homem dois anéis de prata, dizendo-lhe que se tratava de um presente a ser bem guardado, mas na realidade o rei pretendia vingar-se através deles. O homem a quem todos hoje chamam de Nenhum-Rei-Como -Deus, aceitou os anéis e colocou-os dentro de um chifre de carneiro seco e vazio, que deu à mulher para guardar. Uma semana mais tarde, o rei chamou Nenhum-Rei-Como -Deus e enviou-o a uma aldeia distante, para dizer à população que viesse ajudar a construir as muralhas da cidade. Mal o nobre partiu, o rei enviou emissários à mulher, oferecendo-lhe um milhão de cauris (pequenas conchas importadas, usadas como moeda ou como ornamento) e cem vestidos e ornamentos de cabeça, caso ela lhe entregasse aquilo que seu marido lhe confiara. Tentada pelo esplendor dos presentes, a mulher entregou o chifre de carneiro, e quando o rei o abriu viu lá dentro, em segurança, os dois anéis de prata.
Mandou os criados atirá-lo para um lago profundo, que nunca secava. Estes assim o fizeram, mas mal o chifre tocou na água, apareceu um grande peixe que o engoliu. No dia que Nenhum-Rei-Como -Deus regressava a casa, cruzou-se com uns amigos que iam pescar e, tendo ido com eles, acabou por pescar o grande peixe. O filho, enquanto o limpava, bateu com a faca em qualquer coisa dura e chamou o pai para ver. Este retirou o chifre, e quando o abriu viu no interior os anéis de prata que o rei lhe dera para guardar. "Em boa verdade -- disse -- nenhum rei é como Deus!" Ainda estavam a tomar banho quando chegou um mensageiro real convocando o nobre à presença do rei com urgência. O homem perguntou à mulher onde estava o objeto precioso que o rei pusera à sua guarda, ao que ela respondeu que não o conseguia encontrar e que pensava ter sido comido por um rato.
O homem mesmo assim, pôs-se a caminho da corte real. Os outros conselheiros saudaram o rei da forma habitual, dizendo: "Que o rei viva eternamente." Mais o homem mais uma vez disse:"Nenhum rei é como Deus". O rei mandou calar os conselheiros e, avançando para o homem, perguntou: "É verdade que não há nenhum rei como Deus?" O nobre respondeu com firmeza: "É verdade". Então o rei pediu-lhe aquilo que lhe confiara, enquanto os guardas, prevenidos, o cercaram prontos a matá-lo. Mas Nenhum-Rei-Como -Deus, metendo as mãos debaixo do vestido, retirou o chifre e entregou-o ao rei. Este abriu-o e retirou os dois anéis de prata. "Na realidade, não há nenhum rei como Deus", disse, e todos os conselheiros manifestaram a sua aprovação. O rei dividiu então a cidade ao meio, dando metade para Nenhum-Rei-Como -Deus governar.

(Este provérbio: Nenhum rei é como Deus é um dos mais populares na áfrica Ocidental. Pretende demonstrar que Deus é o Ser Supremo, perante o qual todos os homens, sem exceção, devem se curvar. A origem do provérbio é atribuída a história nigeriana da etnia Haúça, registrada acima conforme foi coletada por Parrinder em África)

África, de Geoffrey Parrinder)

TODOS DEPENDEM DA BOCA


Certo dia, a boca, com ar vaidoso, perguntou:
- Embora o corpo seja um só, qual é o órgão mais importante?
Os olhos responderam:
- O órgão mais importante somos nós: observamos o que se passa e vemos as coisas.
- Somos nós, porque ouvimos – disseram os ouvidos.
- Estão enganados. Nós é que somos mais importantes porque agarramos as coisas, disseram as mãos.
Mas o coração também tomou a palavra:
- Então e eu? Eu é que sou importante: faço funcionar todo o corpo!
- E eu trago em mim os alimentos – interveio a barriga.
- Olha! Importante é aguentar todo o corpo como nós, as pernas, fazemos.

Estavam nisto, quando a mulher trouxe a massa, chamando-os para comer. Então os olhos viram a massa, o coração emocionou-se, a barriga esperou ficar farta, os ouvidos escutavam, as mãos podiam tirar bocados, as pernas andaram... mas a boca recusou comer. E continuou a recusar.
Por isso, todos os outros órgãos começaram a ficar sem forças...

Então a boca voltou a perguntar:
- Afinal qual é o órgão mais importante no corpo?
- És tu boca, responderam todos em coro. Tu é o nosso rei!


Nota : todos somos importantes e, para viver, temos de aprender a colaborar uns com os outros...

In "Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas", org. de Aldónio
Gomes, 1999

LENDAS DE ANIMAIS

A DISPERSÃO DOS MACACOS

Antigamente, os macacos viviam num único grupo. Moravam num deserto onde não havia alimentos. Meteram-se, então, aos campos dos homens, para roubar comida; mas os donos guardaram-na. Vendo isso, os macacos combinaram o seguinte:

"Tomemos uma macaca, cortemos-lhe o rabo, transformemo-la, façamos dela uma mulher para que casem-se com ela, tenho um campo e nós aí comamos".

Agarraram numa macaca, cortaram-lhe o rabo e fizeram dela uma mulher. Um homem casou-se com ela e as pessoas abriram-lhe um campo muito grande. Depois do marido preparar a terra, homem e mulher quiseram semeá-lo, mas ela afirmou que podia fazer esse trabalho sozinha.

Quando a macaca foi semear, entoou esta canção:

Macacos, macacos,
Mueé, mueé
Vinde semear o milho

Eles ouviram-na. Semearam o milho e comeram o que sobrou. Mal se criaram as maçarocas, os macacos chegaram de novo para as comer, mas o marido afugentou-os com a espingarda.

Chegou o dia da colheita. Marido e mulher levaram o milho para casa. Os macacos ficaram furiosos e resolveram colar novamente o rabo à macaca. Levaram o rabo e iam cantando assim:

Andemos depressa
entreguemos o rabo à dona

Ao ouvirem esta canção, as pessoas ficaram surpreendidas. Os macacos chegaram a cantar e, encontrando a mulher deitada no chão, puseram-lhe o rabo, e logo ela se transformou em macaca, como dantes.A aldeia estava cheia de macacos, mas, quando os homens pegaram nos arcos e nas espingardas, os macacos dispersaram, dois para um lado, três para o outro, e nunca mais se reuniram. Por isso há macacos em toda a parte.In: ContosMoçambicanos
INLD - 1979

CORAÇÃO-SOZINHO

O Leão e a Leoa tiveram três filhos; um deu a si próprio o nome de Coração-Sozinho, o outro escolheu o de Coração-com-a-Mãe e o terceiro o de Coração-com-o-Pai.

Coração-Sozinho encontrou um porco e apanhou-o, mas não havia quem o ajudasse porque o seu nome era Coração-Sozinho.

Coração-com-a-Mãe encontrou um porco, apanhou-o e sua mãe veio logo para o ajudar a matar o animal. Comeram-no ambos.

Coração-com-o-Pai apanhou também um porco. O pai veio logo para o ajudar. Mataram o porco e comeram-no os dois.

Coração-Sozinho encontrou outro porco, apanhou-o mas não o conseguia matar. Ninguém foi em seu auxílio. Coração-Sozinho continuou nas suas caçadas, sem ajuda de ninguém. Começou a emagrecer, a emagrecer, até que um dia morreu.

Os outros continuaram cheios de saúde por não terem um coração sozinho.

In: Contos Moçambicanos
INLD - 1979

O FIM DA AMIZADE ENTRE O CORVO E O COELHO

O Corvo era muito amigo do Coelho. Combinaram, um dia, que cada um deles transportasse o companheiro às costas, indo de povoação em povoação, para dar a conhecer às pessoas a amizade que os unia.

O Corvo começou a carregar o Coelho. Andou com ele às costas pelas aldeias e a gente, quando o via, perguntava-lhe:

- Ó Corvo, que trazes tu aí?

- Trago um amigo meu que acaba de chegar de Namandicha.

Passou assim com ele por muitas terras.

Chegou depois a vez de ser o Coelho a carregar com o Corvo. Ao passar por uma aldeia, os moradores perguntaram-lhe:

- Ó Coelho, que trazes tu às costas?

- Ora, ora, trago penas, penugem e um grande bico - respondeu, a troçar, o Coelho.

O Corvo não gostou que o companheiro o gozasse daquela maneira, saltou logo para o chão e deixaram de ser amigos.

in: Contos Moçambicanos
INLD - 1979

O CÁGADO E O LAGARTO

Num ano em que havia pouca comida, o Cágado pegou o dinheiro que tinha economizado e foi a Nanhagaia onde comprou um saco de milho.

Quando voltava para casa, viu, a certa altura, um tronco de árvore atravessado no caminho. Como não conseguia passar por cima dele, atirou o saco de milho para o outro lado e depois foi dar a volta.

Quando estava a dar a volta, ouviu uma voz a gritar:

- Viva, viva, tenho um saco de milho que caiu lá de cima.

Era o Lagarto, que segurava o saco que o Cágado tinha atirado.

O Cágado protestou:

- Não. O saco é meu. Comprei-o agora e vou levá-lo para casa.

O Lagarto não quis ouvir nada e levou o saco para casa dele, dizendo:

- Eu não o roubei de ninguém. Achei-o. Vou comer o milho porque encontrei o saco.

O Cágado ficou muito zangado mas não podia fazer nada. Cheio de fome, no dia seguinte foi com os filhos ver se encontrava alguma coisa para comer.

A certa altura viram o rabo do Lagarto que saía de dentro de um buraco, só com o rabo de fora.

O Cágado agarrou no rabo e numa faca e preparou-se para o cortar. Depois de cortado, levou-o para casa e comeu-o com os filhos.

O Lagarto que, entretanto tinha conseguido sair do buraco, foi queixar-se ao responsável da aldeia:

- O Cágado cortou-me o rabo. Mande-o chamar para ele dizer porque é que me cortou o rabo.

O responsável convocou o Cágado e perguntou-lhe:

- É verdade que tu cortaste o rabo ao Lagarto?

O Cágado, que era muito esperto, disse:

- É verdade que eu encontrei um rabo perto de um buraco e o levei para casa para comer, mas não era de ninguém. Eu não vi mais nada senão o rabo.

- Mas o rabo era meu - gritou o Lagarto - tens de o pagar.

O Cágado respondeu:

- Não, não pago. Eu fiz o mesmo que tu fizeste ontem. Tu ontem encontraste o meu saco de milho e comeste-o. Eu hoje encontrei o teu rabo e comi-o. Agora estamos pagos.

O responsável achou que ele tinha razão e mandou-os embora.

in: Contos Moçambicanos
INLD - 1979

O GATO E O RATO

O Gato e o Rato tornaram-se amigos. Um dia combinaram fazer uma viagem a uma terra distante. Pelo caminho tinham de atravessar um rio.

- Por onde passaremos? - perguntou o Gato. - O rio leva muita água.

O Rato respondeu:

- Não faz mal. Fazemos um barco.

O Gato concordou e logo ali os dois colheram uma grande raiz de mandioca e fizeram um barco com ela. Meteram o barco na água, entraram para ele e começaram a atravessar o rio.

Pelo caminho começaram a ter fome e repararam que não tinham levado comida.

O Gato perguntou então:

- O que é que nós havemos de comer?

- Não te preocupes, amigo Gato, porque podemos comer o nosso próprio barco.

E os dois começaram a comer o barco. O Gato pouco comeu porque a mandioca não lhe sabia bem, mas o Rato comeu, comeu, comeu até que acabou por furar o barco, que foi ao fundo.

O Gato e o Rato tiveram que nadar até à margem, mas, enquanto o Rato nadava bem e depressa, o Gato que mal sabia nadar, só com muita dificuldade e muito envergonhado é que conseguiu chegar a terra.

O Gato olhou então para o Rato e viu que ele estava com a barriga bem cheia por causa da mandioca, enquanto ele continuava cheio de fome. Por isso lembrou-se de comer o Rato.

- Sinto muita fome, Rato. Vou ter de te comer.

- Está bem - disse o Rato espertalhão - mas olha que eu estou muito sujo. É melhor ir primeiro lavar-me. Espera aí.

O Rato afastou-se e desapareceu. O Gato ainda hoje está à espera.

In: Contos Moçambicanos
INLD - 1979

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